A PTF celebra a decisão política de apoiar uma agricultura livre de patentes
A caminho de uma agricultura sem patentes em seres vivos?
Foi precisamente há um ano atrás, que em Portugal foi dado um passo importante no sentido de promover uma agricultura livre de patentes em plantas e animais. Foi finalmente publicado a 10 de Dezembro de 2018, o novo Código da Propriedade Industrial (CPI)[i]. Este novo documento, expressa de forma clara que não podem ser concedidas patentes em plantas e animais que tenham sido obtidas a partir de melhoramento convencional.
No que diz respeito à ação da Plataforma Transgénicos Fora (PTF) no empenho pelo desenvolvimento de uma agricultura sustentável em Portugal, a novidade que o novo CPI nos traz, é o facto deste ter sofrido alteração à alínea b) do n.º1 do artigo 53.º – que na lei atual corresponde ao artigo 52.º e apresenta o título Limitações quanto à patente.
No antigo CPI a limitação de patentear plantas e animais não era clara o suficiente para impedir que empresas e advogados de patentes a trabalhar ao nível do Instituto Europeu de Patentes, conseguissem subverter a Lei em seu favor e obtivessem desta forma direitos de patentes em plantas e animais resultantes de melhoramento convencional. O que o texto antigo referia era o seguinte:
«3 – Não podem ainda ser objecto de patente: a) … b) As variedades vegetais ou as raças animais, assim como os processos essencialmente biológicos de obtenção de vegetais ou animais»[ii].
O problema reside na interpretação desta alínea feita pelo IEP e resume-se basicamente a: «não são patenteáveis os processos de obtenção das plantas e animais mas podem ser patenteáveis as plantas e animais daí resultantes» (esta é a interpretação do IEP e das empresas. Esta interpretação feita pelo IEP é contraditória[iii]. Não obstante é com base nesta interpretação que a instituição sediada em Munique tem concedido diversas patentes a várias empresas, como por exemplo a patente sobre brócolos cortados (Severed Brocoli)[iv] atribuída à empresa Seminis (pertencente ao grupo Monsanto) que foi requerida em Portugal em 2013.
A PTF, conta já com um longo historial de ações onde denuncia e apela ao fim destas patentes – não se pode patentear a vida – que não são invenção e não podem ser a base para um negócio que tem consequências imprevisíveis a médio e longo prazo! O resultado destas ações e sobretudo a colaboração com a No Patens on Seeds! (NPOS!), coligação Europeia de organizações que lutam para o fim das patentes em plantas e animais, culminou em vários processos de negociações com o Ministério da Justiça e com o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI). O resultado foi a alteração da legislação que vem agora expressa no novo CPI. O novo CPI foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 110/2018 de 10 de Dezembro e vem alterar a alínea mencionada anteriormente no n.º 3 do artigo 52:
3 — Não podem ainda ser objeto de patente: a) … b) As variedades vegetais ou as raças animais, assim como os processos essencialmente biológicos de obtenção de vegetais ou animais e os vegetais ou animais obtidos exclusivamente através desses processos;
Com esta alteração, estão proibidas legalmente em território nacional as patentes que são atribuídas sobre plantas e animais obtidas através de processos essencialmente biológicos ou seja melhoramento convencional.
O melhoramento convencional é aquilo que os agricultores em todo o mundo têm vindo a fazer desde há milhares de anos atrás com a criação e domesticação de novas variedades vegetais e animais. O processo de melhoramento convencional é relativamente simples e normal para quem se dedica à agricultura. Apesar de que hoje em dia existem já métodos e técnicas de melhoramento cada vez mais sofisticados, qualquer agricultor pode criar uma nova variedade vegetal no seu próprio quintal.
Um dos principais problemas da atribuição de patentes às grandes empresas prende-se com a questão do monopólio e do poder que as grandes multinacionais acabam por ganhar sobre a produção agrícola global. São as grandes multinacionais que detêm as melhores redes de contactos, produção e distribuição de produtos, assim, facilmente fazem chegar as suas variedades aos mercados. Se patentearem uma variedade de brócolos ou de pimento, ou de qualquer outro vegetal, como sendo mais saudável, mais fácil de cultivar ou de colher, isso vai gerar uma preferência por essa variedade em detrimento de todas as outras que serão consideradas menos competitivas. Dessa forma contribui-se para o monopólio das empresas e diminui-se a competitividade dos pequenos e médios agricultores que até podem chegar à mesma variedade vegetal mas não possuem os meios intelectuais e financeiros para patentear as suas variedades. Por outro lado acabam por ficar reféns da compra de sementes às grandes empresas, uma vez que estas patentes podem abranger desde as sementes, aos traços e características genéticas do produto até ao produto final depois de colhido.
Estes são exemplos de alguns constrangimentos e desafios que são hoje colocados à agricultura e à sociedade em geral, uma vez que a alimentação é transversal e é a base da vida humana.
Neste sentido, a PTF e a NPOS![v] Continuam a lutar para proibir as patentes em plantas e animais. Sim, porque apesar de celebrarmos uma vitória, não significa que a batalha esteja ganha! A luta pelo conhecimento e por uma agricultura sustentável continua, pois apesar dos vários passos que têm sido dados neste sentido, outros têm sido dados em sentido contrário!
O IEP nem sempre é claro e unidirecional na sua conduta e nas suas ações. Ainda em Dezembro de 2018, uns dias antes do novo CPI ser publicado, a Câmara de Recurso do Instituto Europeu de Patentes (EBoA) decidiu que os produtos obtidos a partir de processos essencialmente biológicos, como por exemplo plantas, sementes, etc. afinal são patenteáveis, isto aconteceu contrariando uma a medida adotada em junho de 2017 pelo Conselho Administrativo do IEP, através da Regra 28[vi] (2) introduzida para a interpretação da Convenção de Patente Europeia (CPE). Esta regra proibia patentes em “processos essencialmente biológicos” assim como em plantas e animais daí resultantes. Ironicamente esta mudança de atitude e de abordagem legal por parte do IEP ocorreu precisamente durante uma audição pública acerca de uma patente da multinacional Syngenta sobre pimentos.
Esta mudança de conduta por parte do IEP, levou a que a NPOS! E muitas outras organizações internacionais se unissem num apelo ao Presidente do IEP[vii] – António Campinos – que é português –, para que este atuasse no sentido de proibir estas patentes de uma vez por todas. Atualmente, todos os pedidos e processos de patentes no IEP, estão pendentes até que seja estabelecida a clarificação legal sobre esta matéria. Espera-se assim que, António Campinos venha a ter um papel decisivo e fundamental neste processo.
Apresenta-se em seguida uma lista com algumas conquistas/sucessos e acontecimentos mais significativas no contexto das patentes e da ação da PTF nos anos mais recentes, contudo salienta-se que esta luta tem um historial muito mais antigo de ação de várias pessoas e organizações que se têm dedicado a tornar o tema/problema público e a procurar solucioná-lo[viii]:
2016
Janeiro: A patente da Monsanto sobre o melão (EP1962578) foi revogada pelo IEP;
Maio: Foi desencadeada uma oposição massiva contra a patente da Syngenta (EP1515600) sobre tomates – 65 000 oposições formais foram entregues no IEP;
Junho: A PTF reúne com o Ministério da Justiça e com o INPI;
Junho: 800 000 assinaturas foram recolhidas numa ação que pede ao IEP para proibir as patentes em plantas e animais;
Novembro: Comissão Europeia assume posição dizendo que as plantas e animais obtidas através de melhoramento convencional não são patenteáveis;
2017
Março: trinta e duas organizações da sociedade civil opõe-se às patentes das companhias Carlsberg e Heineken (EP2384110, EP2373154 e EP2575433) na cevada e na cerveja;
Dezembro: Parlamento Europeu numa resolução assinada pela maioria dos estados membros toma uma posição clara contra o patenteamento de plantas e animais;
2018
Janeiro: publicação do relatório da NPOS! Contexto atual das patentes;
Março: novo relatório sobre o contexto das patentes – Patents on pigs, cows, oysters and salmon (patentes em porcos, vacas, ostras e salmão);
Dezembro: alteração na legislação portuguesa para restringir a ambiguidade da lei na atribuição de patentes em plantes e animais.
2019
Março: publicação do novo relatório da NPOS!
Maio: INPI publica a sua posição – «amicus curiae» relativamente à atual situação no IEP apoiando o fim das patentes;
Janeiro: Sucesso na revogação da patente do Tomate da Syngenta (EP1515600).
Setembro: Parlamento europeu reafirma a sua posição e apresenta uma resolução onde manifesta a sua preocupação e pede o fim desta situação de incerteza jurídica.
[i] O novo Código da Propriedade Industrial (CPI) 2018 pode ser descarregado aqui: https://tinyurl.com/wmr9rmb
[ii] Para consultar o antigo Decreto Lei n.º 36/2003 de 5 de Março ir para: https://tinyurl.com/wbzer3d
[iii] Consultar o relatório da NPOS! 2015 que denúncia e explica esta utilização indevida da Lei em: https://tinyurl.com/tzf3m9m
[iv] Uma síntese desta patente e todos os detalhes do processo legal de âmbito nacional podem ser consultados aqui: https://tinyurl.com/wd3qtd2 (utilizar entidade seminis)
[v] Consultar o relatório mais recente da NPOS! Para uma melhor compreensão do panorama atual https://tinyurl.com/scvz8rq
[vi] Para consultar o conteúdo desta medida ir para: https://tinyurl.com/uvj6n72
[vii] Consultar o apelo feito ao Presidente do IEP António Campinos em: https://tinyurl.com/wp382tj
[viii] Para uma consulta de todas as ações, comunicados e acontecimentos relativos ao tema das patentes nos últimos anos, consultar o link: https://www.no-patents-on-seeds.org/en/news
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