Carta aberta aos eurodeputados portugueses
cartoon por Cristina Sampaio
Regulamentação dos Organismos Geneticamente Modificados produzidos pelas Novas Técnicas Genómicas (OGM/NTG)
Votação no plenário do Parlamento Europeu (PE) no dia 7 de fevereiro de 2024
A proposta já aprovada na Comissão de Ambiente do Parlamento Europeu (PE) retira a obrigatoriedade de rótulo nos alimentos provenientes de plantas OGM/NTG (Categoria I, de edição genética), contrariando o espírito da Estratégia da própria Comissão Europeia (CE) – “Do Prado ao Prato” (2020), aprovada pelo PE, e os pareceres do Tribunal de Justiça Europeu.
Assim os alimentos, as variedades e as sementes OGM/NTG, (sintéticas e patenteadas), deixam de se distinguir do que não sofreu manipulação em laboratório, tornam-se invisíveis. Isso significa que:
– Os consumidores e os agricultores perdem o direito básico de escolherem o que comem e semeiam, sendo coagidos a comerem e semearem OGM/NTG;
– O Princípio da Precaução , um pilar do direito ambiental europeu e expressamente previsto no artigo 3.º da Lei de Bases do Ambiente (Lei n.º 19/2014, de 14 de abril) é ignorado, beneficiando as empresas de biotecnologia e prejudicando as empresas ligadas à agricultura biológica e biodinâmica, práticas agrícolas certificadas que preservam todos os recursos naturais (1).
– A maioria (cerca de 94%) dos alimentos e sementes OGM/NTG são dispensados de avaliação de risco, de rastreabilidade e de rotulagem e, portanto, ficam isentos de qualquer tipo de controle;
– Dada a facilidade de aplicação das NTG assistiremos a uma multiplicidade de agentes a produzirem OGM e a libertá-los, sem qualquer controle;
– As variedades convencionais desaparecerão, pois serão progressivamente contaminadas pelas congéneres OGM/NTG, como está já a acontecer com a colza, a luzerna e o milho fora da Europa, tornando-se propriedade das empresas de biotecnologia.
Neste contexto a PTF incita todos os deputados a defenderem os direitos dos seus eleitores votando contra a proposta de regulamentação dos novos OGM/NTG, a não ser que sejam acrescentadas as alterações adequadas. Nesse caso apelamos que aprovem as alterações que introduzem:
- a) A rotulagem dos alimentos e sementes OGM/NTG para permitir que os consumidores e os agricultores façam a sua própria escolha quanto à compra ou utilização de OGM (Emenda 264);
- b) Regras de rastreabilidade, coexistência e responsabilidade para permitir que a produção biológica e não-OGM permaneça livre de OGM (Emendas 265, 272 e 273);
- c) Controlos de segurança para as culturas NGT (Emenda 276).
No caso destas normas mínimas não serem aprovadas, apelamos a que REJEITEM O RELATÓRIO FINAL.
Para reflexão deixamos as perguntas e a informação mais pertinente que constituem a base da rejeição da sociedade civil a esta proposta:
1 – Os novos OGM são seguros?
“As evidências acumuladas mostram que a edição genética causa ainda mais danos aos genomas e é ainda mais imprevisível do que a engenharia genética típica.” (Jonatham Latham, Ph.D., Virologist, Editor / Independent Science News). “As mutações não intencionais que ocorrem nas plantas resultantes de edição genética podem alterar os padrões de funcionamento dos genes e, consequentemente, a bioquímica vegetal. Uma consequência possível disso é o aumento da produção de toxinas alergénicas. Esta é a principal razão pela qual os novos OGM devem ser regulamentados e regulados.” (Michael Antoniou, Ph.D., Molecular geneticist).
Se compararmos as declarações destes especialistas independentes com as dos cientistas que defendem a segurança dos OGM/NTG percebemos que estes pertencem a uma ciência sequestrada pelos interesses de capital privado (2), assente num paradigma mecanicista, já ultrapassado, que ignora a complexidade, a interdependência e a imprevisibilidade da Natureza.
2 – As decisões de um tribunal europeu como o Tribunal de Justiça (TJE), são ou não para respeitar?
O TJE considerou que os OGM/NTG, obtidos por mutagénese dirigida ou por cisgénese, são diferentes das variedades híbridas obtidas no melhoramento genético convencional e por mutagénese aleatória. E por isso devem cumprir as normas já aplicadas e obrigatórias para os OGM da primeira geração.
3 – As agências oficiais que tratam deste assunto têm ou não o dever de ter uma atitude imparcial baseada na ciência?
A Agência Nacional Francesa para a Segurança na Saúde na Alimentação no Ambiente e no Trabalho (ANSES), ao contrário da posição da agência portuguesa DGAV, confirma que separar os novos organismos de edição genética dos restantes OGM, negando serem organismos geneticamente modificados, não tem base científica (3).
4 – O direito à informação e a liberdade de escolha é um valor básico a preservar na democracia europeia ou não? Querem mesmo obrigar os cidadãos europeus a comerem OGM/NTG contra a sua vontade?
A supressão das regras de segurança e de transparência relativas às NTG é contrária à opinião pública. Estudos recentes realizados na Alemanha, pelo Instituto Federal de Avaliação de Riscos, nos Países Baixos, pelo Rathenau Instituut, na Suécia, na Áustria ou em França, confirmam este facto. Os cidadãos expressaram que querem liberdade de escolha e normas de segurança elevadas tanto para as novas técnicas como para as antigas.
Mesmo os cidadãos que estão dispostos a consumir alimentos geneticamente modificados afirmaram querer que o produto final seja rotulado para poderem escolher. Mais de 420 000 cidadãos assinaram uma petição a nível da UE apelando à manutenção da avaliação dos riscos, da rastreabilidade e da rotulagem de todas as NTG. A exclusão dos novos OGM das regras de rotulagem a nível da UE, tal como consta do projeto de lei, entra em conflito com os tratados da UE e com a legislação alimentar geral da EU.
5 – A segurança, tão apregoada na europa civilizada, é para respeitar ou não? Quem será responsabilizado pelas consequências nefastas dos seus efeitos, quando se tornarem evidentes?
Estão cientes que aprovar a isenção de rastreabilidade nestas variedades impossibilita o estudo dos seus efeitos, quer no ambiente quer na saúde e, portanto, impossibilita a criação de soluções para os problemas que possam causar no futuro?
6 – Em que se baseiam para acreditar que os novos OGM vão produzir mais, vão ser mais adaptados às mudanças climáticas e vão reduzir o uso de pesticidas?
Há quase 30 anos os primeiros OGM prometeram aumentar a produção agrícola, resolver o problema da fome e reduzir o uso de pesticidas. Mas não cumpriram nenhuma delas: produzem o mesmo que as variedades híbridas não OGM, a fome não desapareceu, mas muitos agricultores faliram (veja-se o caso trágico do algodão OGM na Índia) e continuam a aumentar a quantidade de pesticidas, uma das principais ameaças para a biodiversidade, nomeadamente para as abelhas e outros insetos polinizadores (cerca de 84% da produção agrícola vegetal provém de culturas polinizadas por insetos).
As plantas OGM criadas até agora são maioritariamente modificadas com dois objetivos: i) não serem afetadas pelo herbicida aplicado (geralmente glifosato) e/ou, ii) produzirem um ou vários inseticidas. Assim em vez de se reforçar o equilíbrio entre predador/parasita e a praga ou doença, a intoxicação dos organismos auxiliares favorece o crescimento das pragas e doenças. E em vez de resolver o problema das ervas infestantes estimula a sua resistência aos herbicidas. Tudo isto explica o aumento progressivo do uso dos pesticidas nestas culturas. E, portanto, a sua presença nos alimentos também vai aumentando. Ignorando as consequências, para evitar prejuízos económicos as autoridades têm optado por aumentar o limite máximo de resíduos (LMR). Foi o que aconteceu com o glifosato na soja OGM – a EFSA (Agência Europeia de Segurança Alimentar), sem qualquer base científica, aumentou o LMR legal de 0,1 para 20 mg/Kg de soja, 200 vezes mais do que o estabelecido.
7 – O que justifica beneficiar o setor da biotecnologia facilitando a privatização de tudo o que a Natureza oferece gratuitamente e prejudicar o setor da agricultura biológica/regenerativa, que será minado até à extinção?
A conversão para a agricultura biológica (AB) implica uma quebra na produção de 7 a 8%, o que é largamente compensado pelos seus benefícios na regeneração da biodiversidade, do solo, do ciclo hidrológico, da qualidade da água, no sequestro de carbono, etc.
Por exemplo, i) a Herdade do Esporão tem a maior vinha do País em AB e mantem a produção, substituindo adubos e pesticidas tóxicos e poluentes por práticas agrícolas amigas do ambiente, como a adubação verde que produz azoto e carbono na própria vinha, reduzindo emissões de gases com efeito de estufa e fazendo o sequestro de carbono no solo; ii) A agricultura regenerativa consegue produzir alimentos em solos muito pobres, como é o caso do sucesso da “Terra Sintrópica”, em Mértola.
Os êxitos da agricultura regenerativa continuam a aumentar confirmando que as variedades que a natureza cria gratuitamente e que o homem selecionou e melhorou sem “cortar e colar” genes, são capazes de solucionar os problemas atuais que a agricultura industrial intensifica. Tudo isto pode ser comprovado e a indústria tem conhecimento, mas esconde da opinião pública (https://corporateeurope.org/en/food-and-agriculture/2018/03/what-monsanto-papers-tell-us-about-corporate-science).
A agricultura regenerativa é fulcral para resolver os graves problemas ambientais/climáticos e alimentares atuais pois contribui para reduzir a transgressão atingida em 4 dos 9 limites do planeta (4) mas é preterida, e ameaçada, em beneficio da biotecnologia ligada à agricultura industrial, que muito contribui para a situação atual . Quem aprovar a desregulamentação dos OGM/NTG terá de explicar muito bem à opinião pública e, sobretudo aos mais jovens, por que o faz.
A Plataforma Transgénicos Fora mantém a expectativa que cada um dos eurodeputados portugueses pese os prós e os contras desta proposta e opte pela defesa incondicional do direito de escolha dos consumidores e dos agricultores, tal como pela criação de condições que reponham os limites planetários em níveis seguros.
www.stopogm.net | info@stopogm.pt
Notas:
1- Princípio da Precaução – https://diariodarepublica.pt/dr/lexionario/termo/principio-precaucao
2- “A MENTIRA MONTA NA GARUPA DA DÚVIDA” https://www.stopogm.net/a-mentira-monta-na-garupa-da-duvida/
3- A análise da ENSSER (European Network of Scientists for Social and Environmental Responsability), conclui que: “A proposta da Comissão Europeia é cientificamente inaceitável, elimina as disposições do princípio da precaução e põe em risco o público e o ambiente. Os conhecimentos científicos críticos e as provas científicas que os sustentam foram completamente ignorados. A proposta segue exclusivamente as orientações e afirmações do sector público e privado da biotecnologia – e deve, portanto, ser classificada como unilateral.” https://www.stopogm.net/novos-ogm-aprovados-a-comissao-europeia-coloca-os-interesses-do-sector-agro-quimico-a-frente-dos-direitos-dos-agricultores-consumidores-e-do-ambiente/
4 – “A estrutura dos limites planetários baseia-se na ciência do sistema terrestre. Identifica nove processos que são críticos para manter a estabilidade e a resiliência do sistema terrestre como um todo. Todos estão atualmente fortemente perturbados pelas atividades humanas”. https://www.science.org/doi/10.1126/sciadv.adh2458