Entrevista com o Prof. Séralini
La Revue Durable nº 24 (Março/Abril 2007)
A AVALIAÇÃO DOS EFEITOS DOS OGM SOBRE A SAÚDE E O AMBIENTE É FEITA À PRESSA
Entrevista com Gilles-Éric Séralini, professor de biologia molecular na Universidade de Caen, em França
Desde o começo do seu percurso científico que Gilles-Éric Séralini se apaixona pelo funcionamento do ser vivo e pelo impacto dos poluentes – os pesticidas em particular – sobre a saúde. Com a Comissão de investigação e informação independentes sobre a engenharia genética (Crii-gen) (1) , cujo Conselho científico preside, este biólogo molecular procura fazer progredir a legislação internacional sobre a avaliação dos organismos geneticamente modificados (OGM). Os OGM, considera, permanecerão inaceitáveis enquanto não sairmos de uma situação caracterizada pela ausência de controlos credíveis. A sua meta principal é assim a de melhorar a avaliação dos OGM. Por um lado testando muito melhor os efeitos sobre a saúde dos OGM destinados à alimentação que produzam e/ou absorvam pesticidas, por outro, analisando nos campos as contaminações das culturas não OGM. Além disso Gilles-Éric Séralini luta pela rastreabilidade da etiquetagem.
— Para si as manipulações genéticas são uma ferramenta de trabalho quotidiano. Poderá relembrar-nos as razões que o levaram, quando em Maio de 1996 os primeiros OGM comerciais chegaram à Europa, a assinar o Apelo dos cientistas e dos médicos para uma moratória sobre os OGM, que continua actual (2)?
— Assinei esse apelo porque os efeitos sobre a saúde dos primeiros OGM comerciais – plantas inteiramente concebidas para absorver ou produzir um pesticida – foram mal avaliados. Informei-me lendo os relatórios da Comissão de Engenharia Molecular (CGB) que na França avalia todos os pedidos de comercialização de OGM. Com mais de 3 000 ensaios de 1986 a 1996, a França era na época líder na Europa das experiências no campo dos OGM. Esses relatórios fizeram-me compreender que esta primeira geração de OGM comerciais fazia regredir a avaliação sanitária dos pesticidas, que aliás já não era satisfatória. Os pesticidas aumentam as doenças de reprodução nos animais e no homem. Favorecem as doenças crónicas da sociedade: cancros, doenças imunitárias ou nervosas, etc.
— Por que razão a passagem dos OGM do laboratório para o campo representa uma ruptura?
— O laboratório é um meio confinado. Como outros OGM (vírus, micro-organismos, animais), as plantas geneticamente modificadas possibilitam que nelas sejam estudadas, num plano fundamental, a função e a regulação dos genes. Isso não tem nada a ver com os objectivos da primeira geração de OGM comerciais cultivados em meio aberto, todos eles plantas-pesticidas.
EVOLUÇÃO DOS OGM NO MUNDO
— Em 2000, 99% dos OGM eram plantas-pesticidas, que toleram um herbicida total (71%) ou que produzem um insecticida (28%). Como estamos em 2007?
— Pior! A proporção é de 100%: 68% absorvem um herbicida sem morrer (são bombas de herbicida), 19% produzem um insecticida e 13% fazem as duas coisas simultaneamente (3). A verdadeira segunda geração de OGM, testada nos campos desde 1998, apresenta estas duas características. É evidente que em meio aberto os produtores de OGM se interessam sobretudo pelos pesticidas. E isso manter-se-á de aqui a cinco ou dez anos: os OGM objecto de quase todos os pedidos actuais de autorização toleram dois herbicidas, produzem dois insecticidas ou combinam estas quatro características.
— Estas plantas de um ou mais pesticidas são em grande maioria a soja e o milho?
— Sim. Os últimos números são: 57% de soja, 25% de milho, 13% de algodão, e 5% de colza. E o trigo e o arroz estão a chegar. (4) Estes números provam que os OGM agravam os problemas da agricultura intensiva no mundo. Entre as 30 000 plantas comestíveis cultivadas, uma trintena fornece 95% da energia alimentar mundial e quatro – a soja, o milho, o arroz e o trigo – mais de 60%. Tendo cada planta pelo menos uma centena de variedades, é muito complicado e custoso assegurar uma patente sobre uma delas. Basta no entanto aos produtores de OGM escolherem as poucas que alimentam a humanidade para se apropriarem do essencial da alimentação mundial.
— Dizer que a patente é sobre a planta é uma simplificação.
— Com efeito as patentes não são sobre as plantas mas sobre os genes artificiais que nela estão inseridos e que representam cerca de uma milionésima parte do seu património hereditário. Contudo elas permitem que as empresas digam: «pertence-nos o direito de reprodução desta planta». É devido ao poder de limitação jurídica da reprodução das plantas que esperam receber pagamentos (royalties) sempre que alguém coma no planeta. Isto explica as pressões formidáveis que exercem sobre a Organização Mundial do Comércio (OMC) no sentido de favorecer o comércio internacional dos OGM: não há nenhuma urgência objectiva mas os interesses comerciais em jogo são fabulosos.
— Justamente, em Maio de 2003 os EUA, coligados com o Canadá e a Argentina (5), apresentaram à OMC uma queixa contra a moratória de 1994 a 2004 estabelecida pela União Europeia sobre os OGM. Em Setembro de 2006 a OMC decidiu contra a União Europeia, que não recorreu desta decisão. Em 2003 a Comissão Europeia incumbiu-o, como especialista, de ajudar neste assunto os advogados europeus. Com o conhecimento dessa experiência, que pensa do braço de ferro entre os EUA e a UE?
— A posição da OMC é de que não se deve entravar o comércio e que a segurança sanitária e ambiental não são da sua competência assim como a rastreabilidade e a etiquetagem. A UE levantou a moratória em 2004 e adoptou novos processos de autorização dos OGM mas a administração estado-unidense ainda os acha excessivos. Segundo o princípio de que os OGM não seriam diferentes das outras plantas, os EUA continuam a achar inútil testar seriamente os seus efeitos sobre a saúde e etiquetá-los. A UE defende a posição inversa. As duas partes estão assim acantonadas nas suas posições. De facto, mais do que dizer «EUA» deveria dizer-se «uma minoria administrativa nos EUA»: mais de 90% dos americanos deseja a rotulagem para poder escolher.
— E como está a relação de forças a nível internacional?
— Os EUA, a Argentina e o Canadá não assinaram o protocolo de bio-segurança, dito de Cartagena, que impõe a identificação dos OGM nas fronteiras (6). Opõem-se aos mais de 150 países que o ratificaram e se inspiraram na directiva europeia 2001/18, no papel a melhor do mundo (7) – juntamente com a lei suíça – para avaliar os efeitos dos OGM sobre a saúde. Isso contudo não passa de intenções piedosas nos países membros da UE porque os decretos nacionais de aplicação não foram estabelecidos e portanto não há um anexo preciso à directiva que permita saber como avaliar estes efeitos a médio e longo prazo (à lei suíça falta também a definição dos testes de toxicidade a efectuar). Assim a avaliação é deixada à livre apreciação de comissões nacionais permissivas. Além disso, estas lacunas legislativas tornam ilegais na Europa a maior parte dos ensaios em campo aberto.
— Como vê a evolução da situação?
— Eu penso que é um crime começar a cultivar plantas que produzem e/ou
absorvem pesticidas sem avaliar correctamente os seus impactos ambientais e
sanitários. E que, em termos da indústria agroalimentar, e ao fim de mais de
quarenta anos de progressos, é uma desculpa ridícula pretender que não é
possível detectar no prato produtos provenientes de OGM. Por isso bato-me –
com muitos outros – para que regras de avaliação sérias dos riscos
sanitários e ambientais, de rastreabilidade e de etiquetagem acabem por
prevalecer à escala internacional.
— Após dez anos de comercialização dos OGM, como se distribuem no mundo as respectivas culturas?
— Se excluirmos o algodão chinês e indiano que não são feitos para a alimentação (há muito poucos óleos e rações derivados do algodão), 98% dos OGM alimentares são produzidos no continente americano, sobretudo nos EUA, Argentina, Brasil e Canadá.
— E na China?
— Em 2000 anunciava-se: «já está: o arroz geneticamente modificado arranca na China.» Era propaganda. As autoridades chinesas pensam que caminhamos para a rastreabilidade. O país assinou o protocolo de Cartagena e neste momento está reticente quanto aos OGM alimentares. Cultivam essencialmente algodão geneticamente modificado, algodão Bt (8), como na Índia.
— Como explicar esta penetração do algodão Bt?
— Em teoria, como todas as plantas-pesticidas, o algodão Bt deve ajudar a intensificar a agricultura diminuindo, evitando mesmo, o recurso a insecticidas químicos. Contudo isso não se verifica porque a toxina Bt não mata todos os insectos.
— Sim, porque não é um insecticida total como os herbicidas totais que há.
— A diversidade dos insectos é tão grande que isso é impossível. Nos EUA, quando os primeiros milhos Bt afastaram a praga principal do milho, a lagarta da pirálide, a segunda praga do campo, um coleóptero insensível ao Bt, proliferou. Aproveitou, para se multiplicar, o nicho ecológico deixado livre pela pirálide. Na Índia, nos campos de algodão Bt, também a primeira praga, o verme do algodão, foi substituída por um coleóptero. Sendo a bactéria Bt um reservatório de mais de 150 insecticidas, os fabricantes de OGM inseriram no algodão outros genes produtores de insecticidas activos contra outros insectos. A nova geração de milho transgénico nos EUA é por isso activa contra a pirálide e o coleóptero que tomou o seu lugar. Mas entenda-se bem que outros insectos os virão substituir. Portanto, é uma fuga para a frente.
O FALHANÇO DOS CONTROLOS
— Como estamos de contaminações? Julga possível impedi-las na cultura não OGM e principalmente na agricultura bio?
— Todos os especialistas admitem ser impossível a estanqueidade em meio aberto.
— Aconteça o que acontecer, os agricultores bio correm perigo?
— Sim, aconteça o que acontecer. Podem estabelecer-se níveis de contaminação «admissíveis», o que é sempre melhor do que utilizar OGM. Mas o problema é o mesmo que com os pesticidas clássicos: os agricultores que não os utilizam não podem escapar totalmente às contaminações. Além disso nunca se sublinha suficientemente que os fluxos de genes são apenas uma pequena parte das contaminações. Nos EUA, em 2002, milho estéril produtor de uma vacina porcina que ficou num silo contaminou 500 000 toneladas de soja. Os silos nunca são utilizados para uma só cultura, uma produção, um campo. As sementes podem misturar-se no armazenamento, no transporte, na trituração e na sua transformação.
— Não poderíamos organizar-nos melhor?
— Sim, certamente. Mas sem nunca garantir a estanqueidade: a agricultura é uma actividade de granel, em meio aberto. E fazer melhor, dizem os produtores de OGM, é condenar a sua rentabilidade. O caso do milho waxy é esclarecedor. Este milho serve para fabricar produtos não alimentares, essencialmente para a indústria química. Numerosos países têm a preocupação de o separar do milho alimentar. As sementes são fabricadas a quilómetros de distância de qualquer outra produção, estão-lhe reservadas fábricas, etc. Mas os custos inerentes são tais que pedir a mesma coisa para todos os OGM é condená-los economicamente. Da mesma maneira, pedir à agricultura biológica que se organize para se proteger dos OGM é garantir o fim desta forma de agricultura.
— Em 1998 integrava a CGB, cujos relatórios lia até então. Agora que conhece esta comissão por dentro que balanço faz do seu trabalho?
— Mau. Em vinte anos ela nunca foi capaz de exigir o menor teste em campo relativamente às culturas vizinhas das culturas dos OGM experimentais no sentido de verificar a ausência de contaminação. Os decretos para obrigar à colheita de amostras nos campos vizinhos nunca foram publicados. E se tivessem sido, faltaria ainda desenvolver os métodos. Seis meses seriam necessários para cada OGM experimental em colaboração com a firma produtora. Nunca se impôs a obrigação de saber dosear os OGM experimentais, agora que se cultivam em campo aberto os OGM produtores de medicamentos. Por isso disseminam-se talvez na natureza medicamentos não homologados que não sabemos reconhecer. Nota zero portanto para a avaliação dos riscos sobre o ambiente.
— Imagino que diga isso no âmbito da CGB.
— Respondem-se com o bom senso económico.
— Mas a economia não é a missão da CGB. A sua missão é saber se os OGM que são objecto de um pedido de autorização para cultivo e comercialização colocam ou não problemas à saúde e ao ambiente!
— É o que eu digo e escrevo em todo o lado. Em 1998 era o meu doce sonho…e assim ficou. A primeira coisa que me disseram quando tomei assento na CGB pela primeira vez, foi: «não vamos sobretudo exigir testes aprofundados de segurança animal, são caros de mais». Há quinze anos que todos os governos pedem aos cientistas e industriais que colaborem para estimular a criação de riqueza e emprego nas biotecnologias. Aí estão investidas somas incríveis. Não há retrocesso possível sem perda louca de energia. Os cientistas implicados nas biotecnologias não querem dar um tiro no próprio pé. Eles sabem muito bem que o custo da regulamentação sobre os OGM determina os benefícios das empresas e a sua expansão. Este custo deve portanto ser mínimo. No fundo, a maior parte dos cientistas da CGB partilha a minha análise dos riscos mas coloca a barra de avaliação em níveis diferentes dos meus.
— Ou seja?
— Idealmente, seria por exemplo necessário sequenciar os genes artificiais após a sua inserção (9) nas plantas, o que eu sempre pedi. Mas os meus colegas contentam-se com a sequenciação antes da inserção. Eles sabem que fazê-lo depois aumentaria de forma excepcional o custo do processo pois seria quase necessário verificar cada variedade da planta. Também sabem que o facto de testarem correctamente ou não os efeitos dos OGM sobre a saúde determinará a sua rentabilidade.
— Como explica que a maior parte dos seus pares na CGB prefira abrir mão de controlos tão importantes?
— Para formar estas comissões, tende-se a seleccionar investigadores favoráveis às empresas para que eles sejam maioritários nelas. Sob pressão dos cidadãos, integram nelas alguns investigadores que se preocupam com o bem público. Foi o que aconteceu a seguir à conferência de cidadãos sobre os OGM, em 1998, quando fui nomeado. Mas desde então o presidente da CGB filtra os novos membros segundo a sua conformidade com as ideias dele. Em Setembro, por ocasião do seu vigésimo aniversário, a CGB organizou uma sessão comemorativa. Dela se conclui que esta estrutura foi concebida para facilitar a comercialização dos OGM. Foi esse o verdadeiro papel que lhe confiaram.
— Visto do exterior, o senhor não parece representar o estado de espírito que reina nos laboratórios de biologia molecular. Dito de outra maneira, a tarefa que incumbe ao presidente da CGB de «seleccionar» os seus novos membros não parece nada difícil.
— Todo o investigador formado em biotecnologia defenderá por princípio a engenharia genética que ele considera essencial para compreender o funcionamento da vida e manter a indústria. O problema é que os cientistas acreditam que as pessoas têm medo das próprias manipulações genéticas. Assim, procuram tranquilizá-las explicando que as biotecnologias não têm nada de diabólico.
— Na sua opinião porque há tão poucos investigadores que partilham a sua vontade de fazer progredir a avaliação dos OGM, nomeadamente os seus efeitos sobre a saúde?
— A comunidade dos investigadores em biotecnologias não é um meio apropriado para avaliar os riscos. Ela não se destina a isso mas a produzir novos OGM em colaboração com as empresas. Dito isto, quando me pediram em 2003 que passasse em revista os trabalhos das comissões científicas que aconselharam os ministros europeus sobre os OGM relativamente aos pedidos de autorização, verifiquei que nesses trabalhos o meu ponto de vista era maioritário: numerosos cientistas têm críticas a formular em relação aos OGM de pesticidas. Simplesmente estão obrigados ao segredo.
— Quer dizer que em França os biotecnólogos não intervenientes nas comissões de avaliação são preguiçosos: eles não acompanham de muito perto os processos dos industriais?
— Esses processos são confidenciais. Os membros da CGB que a eles têm acesso não podem revelá-los. Para ter esse direito é necessário recorrer aos tribunais. O que é muito difícil. Na verdade entre os cientistas que conhecem os processos, os pró-OGM são menos numerosos do que aqueles que os criticam. Contudo é verdade que, no seu conjunto, os cientistas que querem desenvolver as biotecnologias não procuram ter acesso aos processos dos OGM de pesticidas.
— Que processo pôde, por exemplo, tornar público?
— Um do milho Bt da Monsanto, o MON 863. Ao ganhar no tribunal de recurso em Muenster, na Alemanha, em Junho de 2005, após três anos de processo judicial e um importante trabalho da Crii-gen efectuado por Corinne Lepage, a Greenpeace Alemanha conseguiu que fossem divulgados os resultados dos testes toxicológicos. Trata-se de uma alimentação de OGM dada a ratos durante três meses. De uma maneira desonesta, a Monsanto não queria revelar as análises do sangue destes ratos, que mostravam nomeadamente um maior número de glóbulos brancos e menor número de glóbulos vermelhos em referência aos dos ratos alimentados com dieta não OGM, comparável não obstante, em todos os pontos.
REINA A ILEGALIDADE
— A oposição aos OGM passa igualmente por acções dos ceifeiros voluntários. Que pensa deste movimento?
— É um movimento social que, como acontece muitas vezes, se constituiu por causa de uma injustiça. Pessoas que se arriscam a perder o seu trabalho e/ou cujos campos estão sujeitos a ser contaminados são empurradas para acções ilegais para se fazerem ouvir.
— Apoia este movimento?
— Directamente, não, pois entendo que hoje se pode fazer melhor. A maior parte das experiências de OGM em campo aberto na Europa é ilegal porque não há meios de detectar as contaminações e a documentação não descreve correctamente os locais utilizados. Portanto não se podem estimar cientificamente os riscos ambientais que se correm.
— Daí as acções da Crii-gen.
— Sim, o Conselho de Estado, a mais alta instância jurídica da França, anulou ensaios da Monsanto porque os seus documentos descreviam os locais experimentais de forma incompleta. Tribunais administrativos anularam ensaios porque o público não estava informado. Podem ser anulados ensaios desde que a directiva 2001/18 não esteja transposta, como se passa na França e num ou dois outros países da UE, ou porque ela não é aplicável por falta do anexo que determina como avaliar os riscos para a saúde a médio e longo prazo. Os documentos para pedidos de ensaios na Europa são portanto ilegais e também os pedidos de comercialização desde que os testes efectuados pelas empresas revelem efeitos significativos sobre os animais de laboratório. De preferência a cometer outros actos ilegais, há meios legais para bloquear as autorizações. Dito isto, contrista-me que se prendam pessoas por actos de ceifa, o que já não se fazia desde o tempo da monarquia, enquanto graves delitos financeiros ficam impunes.
— As sondagens indicam que uma enorme maioria dos europeus não quer comer OGM e deseja uma moratória. Pode portanto falar-se de um divórcio entre uma muito grande maioria da população e o que querem certos investigadores e industriais aliados à estrutura administrativas do Estado. Que meio poderá haver para reduzir esse divórcio?
— Levando essas estruturas administrativas a aplicar a lei.
— Onde vê as instâncias capazes de as ajudar a fazer cumprir a lei?
— Umas cinquenta associações, entre as quais a Crii-gen, juntaram forças no seio da Aliança para o Planeta (10). E as acções que com a Greenpeace temos em curso nos tribunais para obter a transparência sobre os documentos vão deixar os seus traços.
— Tem a impressão de que progredimos?
— Progredimos bastante. Mas iremos com rapidez que baste?
—-
AS VIRTUDES DA PERITAGEM CONTRADITÓRIA
A experiência de Gilles-Éric Séralini em diversas comissões europeias, entre elas a da engenharia biomolecular (CGB), convenceu-o a mandar às favas o mito da peritagem científica independente como se supõe que a CGB realiza na França. Em vez disso ele acredita numa peritagem contraditória como nos tribunais.
«O ponto principal quando se avalia um OGM, um pesticida ou um produto químico a nível regulamentar, explica Gilles-Éric Séralini, é saber onde colocar o cursor dos controlos. Existindo um risco para o ambiente, possuímos os meios de dosear as contaminações? Se sim, com que frequência? Existem os meios para saber se é perigoso para a saúde? Com testes realizados durante quanto tempo?»
Uma instância de avaliação não pode estimar sozinha onde colocar esse cursor, nota Gilles-Éric Séralini, «pela mesma razão porque um juiz não pode pronunciar o seu veredicto sem ter ouvido as versões contraditórias, da acusação e da defesa. Ora hoje, face aos produtores de OGM, não há acusação. Aqueles que vão sofrer com os OGM não têm voz activa neste assunto».
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A BOA UTILIZAÇÃO DA MORATÓRIA
A moratória de cinco anos sobre os OGM comerciais que os suíços votaram em Novembro de 2005 é «um símbolo forte», comenta Gilles-Éric Séralini. Mas, nota ele «que há de facto uma moratória em quase toda a Europa, onde apenas são cultivadas 0,05% das áreas mundiais de OGM. Esta moratória deveria servir para estabelecer uma avaliação que não se desenha contudo com muita precisão».
Mais de oito anos de compromisso militante e de trabalho, permitiram identificar duas áreas que deveriam tornar-se condições da saída da moratória, considera o investigador. «A primeira seria avaliar os OGM de pesticidas como se avaliam os pesticidas e os medicamentos, quer dizer, com um regime à base de OGM dado a três espécies de mamíferos, durante pelo menos dois anos para uma delas. A segunda seria dotar-se de meios para detectar as contaminações pelos OGM, os experimentais incluídos.
«Parece-me que isso é a base da segurança sanitária e de uma atitude científica rigorosa», salienta Gilles-Éric Séralini. «Hoje os controlos sobre os OGM não são cientificamente credíveis porque não se sabe controlar os seus efeitos sobre a saúde nem dosear os OGM experimentais no ambiente. Seria um erro histórico não melhorar esta situação.»
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REFERÊNCIAS
1 – O Crii-gen é uma associação independente relativamente aos produtores de OGM e ao Estado, empenhada em avaliações críticas fundamentadas.
2 – Appel des scientifiques, des médecins et des professionnels de la santé pour un contrôle des applications du génie génétique. In Génie Génétique, des chercheurs citoyens s’expriment. Sang de la Terre, Paris, 1997.
3 – A associação pró-OGM International Service for the Acquisition of Agri-Biotech Applications (ISAAA) publica todos os anos um relatório sobre o cultivo de OGM no mundo. O mais recente indica que em 2006 foram cultivados cerca de 102 milhões de hectares de culturas transgénicas, o que representa cerca de 7% das terras cultiváveis e um aumento de 13% em relação ao ano anterior. Ver mais em www.isaaa.org
4 – Idem
5 – Estes três países figuram na lista dos seis países que, em conjunto, representam 90% de todos os OGM cultivados no mundo: Estados Unidos (53%), Argentina (18%), Canadá (6%), Brasil (6%), Índia (4%) e China (3%).
6 – O Protocolo de Cartagena tem como objectivo proteger a biodiversidade dos eventuais riscos causados por OGM e como tal permite que os países proibam ou limitem a sua importação no caso de prova insuficiente de segurança ou falta de consenso sobre a sua inocuidade.
7 – Ver igualmente os regulamentos europeus 1829/2003 e 1830/2003.
8 – Bt é o nome de código da bactéria Bacillus thuringiensis, que produz naturalmente vários insecticidas.
9 – Sequenciar significa determinar a ordem com que os blocos constituintes dos genes estão alinhados. Este encadeamento é que determina o tipo de proteína que vai ser produzida por cada gene.
10 – www.lalliance.fr
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