Mosca Monarcha
Uma intervenção mínima com enormes consequências…
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Abelha Melífera
Poderá a engenharia genética proteger a biodiversidade?*
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Tomate CRISPR
Comida ou sedativo?
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A engenharia genética ameaça a subsistência das gerações futuras
Porque é que as novas técnicas de engenharia genética precisam de regulamentação rigorosa?
Do ponto de vista da saúde e da proteção ambiental, o potencial das novas técnicas de engenharia genética, especialmente das aplicações de CRISPR/Cas, é alarmante. Tal é reconhecido pelos próprios inventores desta tecnologia. Por exemplo, Jennifer Doudna, que registou muitas patentes para a tecnologia CRISPR, escreve: “Dada a radicalidade das implicações da edição genética para a nossa espécie e para o planeta, é agora mais importante do que nunca abrir canais de comunicação entre a ciência e os cidadãos” (Doudna & Sternberg “A Crack in Creation”, 2017).
Assim, os exemplos aqui apresentados visam ilustrar os riscos associados às novas tecnologias de engenharia genética ( também chamadas novas técnicas genómicas ). Se os organismos geneticamente modificados (OGM) não forem rigorosamente regulamentados, a sua libertação no meio-ambiente tem o potencial de ameaçar a biodiversidade e, portanto, a nossa subsistência (consultar o relatório “A engenharia genética ameaça a preservação das espécies” https://www.testbiotech.org/node/2605 ).
Muitos dos intervenientes neste processo procuram, a todo o custo, evitar uma discussão aberta sobre os riscos envolvidos. Normalmente porque têm interesses econômicos na pesquisa, no desenvolvimento ou na comercialização de produtos OGM. Mas nós aqui, partindo da informação científica disponível, pretendemos chamar a atenção para as possíveis repercussões sobre as pessoas e o meio ambiente.
Estas novas técnicas possibilitam mudanças profundas no genoma, mesmo sem inserção de genes adicionais. Conduzem, em muitos casos, a alterações nas propriedades biológicas do organismo (p. ex. na composição das plantas) que vão muito além do que é conseguido pelos métodos de cruzamento anteriores.
De facto, ao contrário do que muitas vezes se afirma, as novas técnicas de engenharia genética não podem ser equiparadas aos métodos de selecção convencional, nem às mutações naturais. As “tesouras genéticas”, como o CRISPR/Cas, são agentes mutagênicos biotecnológicos que podem ser usados para iludir os mecanismos naturais de regulação genética e de hereditariedade. Estas ferramentas tornam o genoma acessível a alterações de um modo radicalmente novo e muito mais profundo. As alterações obtidas são tipica e significativamete diferentes das mutações “espontâneas” ou “aleatórias”. Além disso , em muitos casos, as novas técnicas também causam efeitos específicos inesperados e indesejáveis. É o caso da inserção não intencional de genes adicionais e da alteração do genoma em zonas diferentes das pretendidas.
Acresce ainda que a nova tecnologia é frequentemente combinada com métodos “antigos” de engenharia genética, tais como o “canhão de genes”. Este, que é usado para inserir a tesoura genética no genoma do organismo visado, acarreta múltiplos riscos acrescidos.
Para além disso a avaliação de risco ambiental é muito difícil. P. ex. as mudanças na composição das plantas podem ter impactos na rede alimentar, ou na sua interação e comunicação com o meio. Os OGM que conseguem persistir e reproduzir-se no meio ambiente constituem outro elevado nível de risco.
Os exemplos que apresentamos mostram que antes de se tirarem conclusões sobre a sua segurança é imperativo examinar minuciosamente, caso a caso, as características genéticas e biológicas do cada OGM, e tendo em conta também as técnicas específicas utilizadas na sua criação. É de sublinhar que mesmo intervenções mínimas no genoma podem ter grandes repercussões.
Nos vídeos e no folheto “O que (não) é engenharia genética” explicamos as diferenças fundamentais entre a reprodução convencional de plantas, por um lado e, por outro, a “antiga” e a “nova” engenharias genéticas na reprodução vegetal.
A “mosca monarca”
Uma intervenção mínima com enormes consequências…
Se os novos OGM conseguirem sobreviver e reproduzir-se na natureza, alguns deles podem conseguir propagar-se nas populações naturais como verdadeiros extraterrestres. Este processo poderá não ser visível de imediato . Porém, quando for notado será já tarde demais e é por isso que a engenharia genética constitui uma séria ameaça para as espécie naturais.
Vejamos este exemplo: com a tesoura genética CRISPR/Cas modificou-se um gene da mosca drosófila (Drosophila melanogaster) para o tornar semelhante a um gene existente nas borboletas monarcas (Danaus plexippus).Mudando apenas quatro pares de bases as moscas tornaram-se resistentes às toxinas de certas plantas. Assim passaram a absorver essas toxinas tornando-se agora venenosas para os seus predadores. Assim, uma libertação massiva destas moscas OGM traria sérias consequências para as redes alimentares e consequentemente para os ecossistemas.
Este exemplo mostra como mudanças mínimas num único gene podem ter efeitos significativos na Natureza, mesmo sem haver inserção de genes adicionais.
Portanto, se não forem regulamentados nem controlados através de uma legislação rigorosa, estes OGM podem dessiminar-se inadvertidamente no meio ambiente e, nesse caso, a engenharia genética constituirá uma séria ameaça para a preservação das espécies naturais.
Ano de publicação: 2020
Mais informações: Karageorgi et al. (2019) Genome editing retraces the evolution of toxin resistance in the monarch butterfly, Nature (A edição do genoma reescreve a evolução da resistência às toxinas na borboleta monarca).
A abelha melífera
O habitat da abelha tem sido tão alterado que a sua sobrevivência está seriamente ameaçada. Para resolver a situação, existem duas estratégias: mudar o meio-ambiente, tornando-o novamente favorável, ou mudar a abelha. A engenharia genética defende esta última alternativa: quer modificar as abelhas de forma a sobreviverem neste ambiente deteriorado. Em 2014, cientistas alemães demonstraram que, através da engenharia genética, é possível alterar colónias inteiras. Em 2019, um artigo cientifico publicado na Coreia do Sul noticiava a criação de abelhas resistentes a inseticidas. Em 2020, um outro artigo mostrava que o olfato das abelhas pode ser bloqueado com a tecnologia CRISPR.
Noutros projetos pretende-se modificar a flora intestinal das abelhas. É o caso da Universidade de Austin (Texas) onde alteraram o material genético de certas bactérias existentes nos intestinos de abelhas e abelhões, para produzirem um transmissor adicional (o ácido ribonucleico de cadeia dupla, dsRNA). Estas moléculas podem interferir na regulação genética transpondo mesmo a barreira que existe entre as espécies. Pretende-se assim alterar o comportamento das abelhas, conseguindo, por exemplo, aumentar a eficácia de polinização. Outros objectivos a atingir são a destruição de parasitas, como a borboleta da varroa, ou a capacidade do organismo decompor rapidamente os pesticidas a que as abelhas são expostas.
O pedido de patente registado por estes investigadores nos Estados Unidos (US 2019 / 0015528 A1) reivindica a patente da invenção destas bactérias OGM, mas também a das abelhas e de todos os outros insetos em cujos intestinos elas sejam encontradas. Este registo demonstra, de forma clara, a intenção de transformar estes OGM num negócio lucrativo.
Ora isto é muito problemático. Se estas abelhas forem libertadas no meio-ambiente é impossível evitar que as bactérias OGM, que transportam, infestem outras colónias de abelhas, ou os seus parentes selvagens, como os abelhões. Acresce que os seus genes sintéticos podem ser transferidos para outras espécies de bactérias. De facto, uma vez dispersos no meio-ambiente, a propagação destes OGM e dos seus genes sintéticos jamais poderá ser controlada.
Constitui um risco muito elevado para o ambiente o facto de existirem atualmente inúmeros projetos que pretendem transformar a engenharia genética de microrganismos numa nova e lucrativa área de negócio. Especialmente a chamada “paratransgénese”, uma das tecnologias mais destacadas, que em vez de modificar diretamente os organismos alvo (como as abelhas), modifica os microrganismos a que estão associados (como as suas bactérias intestinais). Daí resulta que estes podem produzir substâncias ativas capazes de alterar as características dos seus hospedeiros. A complexidade destas interações acrescenta uma nova dimensão de risco ambiental.
* Este exemplo demonstra que é possível a modificação genética “indireta” (paratransgénese) das populações de abelhas, e de espécies selvagens, através da sua flora intestinal. E embora os riscos ambientais não possam ser ainda suficientemente definidos nem controlados, e contrariando o princípio da precaução, existe já um interesse considerável na sua comercialização*.
Ano de publicação: 2020 | Mais informações: Pedido de Patente US 2019 /
0015528 A1 <https://www.testbiotech.org/node/2619>
Leonard, S. P. et al. (2020) Engineered symbionts activate honey bee immunity and limit pathogens. Science, 367: 573-576
<https://doi.org/10.1126/science.aax9039> (Simbiontes modificados por engenharia genética ativam imunidade de abelhas e limitam patógenos).
Relatório da Testbiotech „Gentechnik
<https://www.testbiotech.org/sites/default/files/Gentechnik_Artenschutz_2020.pdf>gefährdet den Artenschutz“ <https://www.testbiotech.org/aktuelles/gentechnik-gefaehrdet-den-artenschutz>
(“A engenharia genética ameaça a proteção das espécies”).
Tomates CRISPR
comida ou sedativo?
Em Janeiro de 2021, o Japão aprovou o primeiro “tomate CRISPR” para produção alimentar. Este tomate contém um composto vegetal (GABA) em concentração muito superior à que ocorre no tomate resultante de melhoramento convencional. O GABA (ácido gama-aminobutírico) pode diminuir a transmissão de determinados sinais no sistema nervoso central, causando, entre outros efeitos, um abaixamento da pressão arterial. Assim, este tomate será apresentado como um moderno produto de “lifestyle”. Por outro lado, sabe-se que o GABA desempenha múltiplos papéis no tomateiro: por exemplo, influencia o crescimento da planta, a resistência a pragas e doenças para além de várias outras reações metabólicas.
A concentração de GABA aumenta naturalmente quando a planta é atacada por pragas. Contudo, todas as tentativas para manter esse nível elevado em permanência, através de melhoramento convencional, falharam. Devido à multiplicidade de papéis do GABA é preciso assumir que a intervenção genética neste parâmetro vai afectar o metabolismo vegetal, a vários níveis. Estas alterações podem acarretar efeitos inesperados para a saúde quando se come este OGM. Os tomateiros poderão também apresentar reações inesperadas perante condições de stress ambiental, o que pode, mais uma vez, ter efeitos sobre a segurança dos alimentos que produzem.
Há registo de experiências anteriores com técnicas CRISPR em tomate. Em 2018, uma equipa de cientistas usou com sucesso o CRISPR/Cas para alterar simultaneamente vários genes em tomateiros selvagens. Foram suprimidos seis genes, e os pequenos frutos silvestres deram lugar a tomates de aspeto semelhante aos que são comercializados. O objetivo era mostrar que as novas tecnologias genéticas conseguem replicar os resultados de anos de melhoramento convencional, num curto período de tempo. A este tipo de manipulação genética, com alterações simultâneas em vários genes, chama-se ‘multiplexing’. Mesmo sem inserção de genes adicionais, o efeito foi extraordinário. Tanto os frutos ( número, tamanho, formato e composição) como a arquitetura da planta foram alterados em meia de dúzia de passos e num curto espaço de tempo. Contudo, verificaram-se também grandes alterações na concentração de vários compostos nestes tomates OGM.
Este exemplo mostra como se podem introduzir mudanças profundas na composição das variedades alimentares sem inserção de genes adicionais. Mas o cultivo e o consumo destes tomates acarreta uma panóplia de riscos. Por isso, é necessário investigar a fundo estas plantas geneticamente modificadas antes de se poderem tirar conclusões em matéria de saúde e de segurança ambiental.
Ano de publicação – 2021
Mais informação:
Publicação sobre engenharia genética em tomates silvestres