CAMPANHA

AGRO-AMBIENTAIS SEM GLIFOSATO / HERBICIDAS

POR UMA AGRICULTURA REGENERATIVA, CLIMÁTICA, SEM OGM E COM MAIS CARBONO NO SOLO

Justificação e apresentação da campanha

ÍNDICE

  1. Objetivos da campanha
  2. Situação atual em Portugal quanto às medidas agroambientais
  3. Situação em Portugal quanto à poluição com glifosato e o risco para o ambiente e para a saúde humana
  4. Agricultura, medidas agroambientais e alterações climáticas
  5. Apelos da campanha

A agricultura é uma área estratégica para sair da crise profunda, tanto social como ambiental, em que nos encontramos. Depois da revolução verde e do desenvolvimento da agricultura com base ecológica, dispomos hoje em dia de um vasto leque de conhecimentos práticos e teóricos, com base científica, que pode garantir um futuro promissor às novas gerações. Conhecem-se formas de assegurar a produção de alimentos em qualidade e quantidade e, ao mesmo tempo, garantir o bem-estar animal, a fertilidade do solo, a qualidade da água, a proteção da biodiversidade e, ainda, o sequestro do carbono. Afinal há soluções eficazes para os problemas atuais mas falta aplicá-las em larga escala para evitar e/ou superar os erros já cometidos. Veja-se o caso das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) responsáveis pelas alterações climáticas. Fala-se da urgência de reduzir, a todo o custo, as emissões para travar este flagelo mas ninguém fala da possibilidade de o reverter através da agricultura. Depois de décadas de desacordo entre os cidadãos e o poder estamos agora perante um discurso político, a nível europeu e nacional, que coloca a preservação do ambiente no topo das prioridades. Mas as palavras só por si são insuficientes. Se queremos concretizar as mudanças preconizadas é necessário que a palavra e a ação estejam em sincronia, fechando o hiato que as tem separado e gerado o desconcerto do mundo.

É esse o apelo e o contributo da Plataforma Transgénicos Fora (PTF) através desta campanha. Em Portugal, tal como na Europa, os solos agrícolas cada vez mais pobres em matéria orgânica não conseguem sequestrar o carbono – retirada de dióxido de carbono (CO2) da atmosfera e armazenamento nas plantas e no solo – e, por isso, há um balanço negativo entre as emissões de GEE e a fixação de carbono que a Comissão Europeia quer ver superado até 2050 (net zero emissions) (Lorent A. & Allen B., 2019). Na União Europeia as emissões de GEE na agricultura tiveram uma diminuição a partir de 1990, mas voltaram a subir, ainda que lentamente, em 2012. Quanto ao sequestro de carbono, nos últimos anos os stocks de carbono nos solos agrícolas aráveis e nas pastagens diminuiu, emitindo cerca de 70 a 80 milhões de toneladas de CO2 anualmente. Este desequilíbrio deve-se sobretudo à utilização excessiva de herbicidas e à redução das práticas que favorecem a fixação de carbono (adubação verde ou sideração / cover crops). Uma vez que se conhecem formas exequíveis e adequadas de superar estes problemas porque continuam a ser ignoradas? Sabe-se que o aumento de 1% de matéria orgânica (húmus) no solo equivale a cerca de 30 toneladas de carbono sequestrado o que, com boas práticas agrícolas, pode ser conseguido em 10 anos. No caso de abarcar toda a superfície agrícola utilizada nacional (SAU), uma área cerca de 3,5 milhões de hectares, seriam cerca de 105 milhões de toneladas de carbono sequestrado no solo na forma de húmus estável, provavelmente bem mais do que Portugal precisa para atingir a neutralidade carbónica (considerando também a redução prevista das emissões de GEE).

Os herbicidas, em particular o glifosato, estão a poluir o solo, a água, os alimentos e as pessoas, tornando-se um grave problema ambiental e de saúde pública. Como é então possível que, em clara contradição com os objetivos ambientais destas medidas, a aplicação de herbicidas em geral e de glifosato em particular, esteja a ser subsidiada pelas medidas agroambientais através da “produção integrada” e da “sementeira direta”? Não é aceitável que os fundos destinadas à proteção dos bens comuns, dos quais todos dependemos, sejam canalizados para compensar a falta de rendimento das explorações agrícolas, problema importante mas que carece de outras soluções. Nesta fase em que se prepara o Novo Quadro Comunitário de Apoio (QCA) (2021-2027) da Política Agrícola Comum (PAC) a PTF expõe esta contradição e propõe objetivos e medidas concretas para evitar a sua repetição. O “Guia de boas práticas agrícolas para reduzir emissões, fixar carbono, e eliminar a aplicação de herbicidas”, da autoria de Engº Agrónomo Jorge Ferreira, é um instrumento indispensável na transição para uma agricultura regenerativa que completa esta campanha.  

  1. Objectivos da campanha
  1. Excluir o herbicida glifosato dos modos de produção agrícola subsidiados pelas Medidas agroambientais devido aos riscos ambientais e de saúde pública (Medidas do 2º pilar da PAC, atualmente em Portugal enquadradas pela Medida 7 do PDR2020).
  2. Limitar o uso de outros herbicidas de síntese química nas medidas agroambientais a situações específicas e tecnicamente justificadas (exemplos: 1.Vinhas antigas do Douro sem possibilidade de controlo mecânico das ervas com trator e alfaia e em que a monda manual seja economicamente inviável; 2.Sistemas de não mobilização ou mobilização mínima do solo, em que a não utilização de herbicidas resulte em perdas de rendimento);
  3. Reduzir o uso de outros pesticidas, em particular os de maior toxicidade crónica (cancro, desregulação hormonal ou endócrina, malformações congénitas, etc.) e os mais tóxicos para a fauna auxiliar (abelhas, insetos e ácaros predadores de pragas, aves insetívoras, morcegos) e para o ambiente em geral, e promover enriquecimento do ecossistema agrícola bem como a formação dos agricultores em práticas agrícolas que permitam conciliar a produção económica com a proteção ecológica.
  4. Promover práticas agrícolas capazes de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa (CO2, CH4, N2O) e aumentar o sequestro de carbono no solo. Nomeadamente as seguintes: adubação verde anual e/ou enrelvamento permanente do solo (cover crops), empalhamento do solo (mulching), utilização dos subprodutos da própria cultura como “estrumação verde” (green manure), utilização dos subprodutos das agro-indústrias para compostagem ou aplicação direta ao solo (caso do bagaço e da água-ruça da azeitona, e do engaço da uva), aplicação frequente de corretivos orgânicos, rotação de culturas incluindo leguminosas na rotação, não aplicação de herbicidas e outros pesticidas tóxicos para os organismos do solo), e eliminando totalmente as queimadas e queimas em áreas agrícolas, práticas substituídas pelo destroçamento e aplicação ao solo e/ou a compostagem; Desta forma é promovida uma agricultura regenerativa, que tenha como primeira prioridade o aumento da matéria orgânica (e do carbono) do solo e da sua fertilidade, física, química e biológica, aplicando as melhores práticas agrícolas, como as referidas e a sementeira direta e a não mobilização, sempre que possível sem o recurso a herbicidas (“Organic no-till farming”).
  5. Excluir as culturas geneticamente modificadas (OGM) das Medidas Agroambientais, ao contrário do que acontece atualmente, em que o milho OGM autorizado para cultivo em Portugal pode ser subsidiado quando cultivado e certificado em “Produção integrada”;
  6. Alterar as regras das medidas agroambientais de modo a reforçar a componente ambiental, em particular em relação à biodiversidade e às emissões de GEE. Urge reduzir o dióxido de carbono das queimas e queimadas, o metano dos efluentes e da digestão dos ruminantes em pecuárias intensivas com mais de duas cabeças normais por hectare (2CN/ha), os óxidos de azoto dos adubos químicos azotados. Urge aumentar o sequestro de carbono no solo, a conservação do solo em geral, e a infiltração da água da chuva que repõe as reservas de água subterrânea (aquíferos) e reduz a escorrência superficial e as consequentes cheias;
  7. Majorar as ajudas agroambientais aos agricultores que apliquem o maior número de práticas agrícolas mais favoráveis à melhoria da fertilidade do solo e ao sequestro de carbono.
  8. Contribuir para inverter a tendência de desertificação física (erosão e degradação do solo) que já está a ocorrer em várias regiões de Portugal, principalmente no interior, desde o Sotavento algarvio até à Terra Quente transmontana, regiões que têm em comum os baixos teores de matéria orgânica (e carbono) nos seus solos agrícolas e florestais, e a forte erosão hídrica. Isto face à grave situação atual com cerca de 63% do território do continente classificado como estando suscetível à desertificação e 32,6% com solos em situação degradada, e ainda com um índice de aridez que afetou, nos últimos três decénios (1980-2010), 58% do território do continente, quando no período que decorreu entre 1960-1990 os valores atingiram os 36%, e incluía sobretudo as áreas do sul e do interior centro e norte de Portugal, assinala o Plano de Ação Nacional de Combate à Desertificação.
  9. Informar o Governo e a Assembleia da República de que a medida 7.2 do PDR2020 está longe de ser “agroambiental”, devido às atuais regras de produção integrada (PI) atualizadas em 2014 pelo então Ministério da Agricultura e do Ambiente, para vigorarem no PDR2020 (até 2020 e prorrogado para 2021), e que carecem duma profunda revisão.
  10. Informar a sociedade em geral do mau uso dos impostos dos contribuintes portugueses e europeus numa das medidas da PAC, supostamente a mais ambiental, mas que afinal no caso da Medida 7.2 do PDR2020 (produção integrada com regras nacionais e não europeias) não cumpre os objetivos.

2. Situação atual em Portugal quanto às medidas agroambientais

A Medida 7 do PDR2020 designada “Agricultura e recursos naturais” definida na Portaria nº 25/2015, inclui as seguintes submedidas: -7.1. Agricultura biológica (AB); -7.2. Produção integrada (PI). A Medida 7 tem como principais objetivos os seguintes:

  1. Restaurar, preservar e reforçar a biodiversidade das zonas sujeitas a condicionantes naturais ou outras condicionantes específicas e nas zonas agrícolas de elevado valor natural, bem como das paisagens europeias;
  2. Melhorar a gestão da água, dos fertilizantes e dos produtos fitofarmacêuticos (ou “pesticidas de uso agrícola);
  3. Prevenir a erosão dos solos.

As regras da produção integrada estão na seguinte legislação nacional: -Portaria nº 65/97 de 28 de Janeiro; -Decreto-lei nº 256/2009 de 24 de Setembro. Esta legislação é complementada por manuais de “proteção integrada” e manuais de “produção integrada” para cada cultura ou conjunto homogéneo de culturas, que abrangem praticamente todas as culturas agrícolas (olival, vinha, pomóideas, prunóideas, frutos secos, pequenos frutos, arroz, milho e outros cereais de regadio, trigo e outros cereais de sequeiro, hortícolas, pastagens). Na componente de proteção fitossanitária (contra pragas, doenças e ervas infestantes), a PI adota a “proteção integrada”, cujas regras são definidas em Portugal pela DGAV e publicadas no respetivo website. No Vol. I dessas regras – Proteção Integrada das Culturas, Conceitos e Princípios Gerais (Oliveira, 2014) há uma informação contraditória relativa à autorização dos pesticidas mais tóxicos, como se indica. Pág. 10 – Quadro 1: -“ Produtos (pesticidas) mais tóxicos para o Homem e para os auxiliares – Não permitido!” – “Produtos (pesticidas) com maior risco de contaminação da toalha freática – Não permitido!” Pág. 14 – Princípio nº 5 da proteção integrada: -“Os Produtos fitofarmacêuticos (pesticidas agrícolas) aplicados devem ser tão seletivos quanto possível para o fim em vista e terem o mínimo de efeitos secundários para a saúde humana, os organismos não visados e o ambiente.” Mas, na pág. 50 diz-se o contrário: “(…) todos os Produtos fitofarmacêuticos autorizados em Portugal para o combate aos inimigos das culturas são passíveis de ser utilizados em proteção integrada” Com este último parágrafo, estas regras subvertem as normas internacionais definidas pela OILB (Organização Internacional de Luta Biológica), e também as anteriores regras nacionais que, apesar de ainda incluírem o glifosato, proibiam os pesticidas considerados mais tóxicos para os insetos e ácaros auxiliares no combate às pragas (lista vermelha). Em resumo:

  • Quanto à utilização de pesticidas agrícolas (incluindo o glifosato e os restantes herbicidas), a medida agroambiental “7.2-Produção integrada”, com regras definidas a nível nacional, autoriza todos os pesticidas homologados em Portugal e, ao incluir pesticidas tóxicos para a fauna auxiliar, contraria os princípios da própria proteção integrada e, por consequência, os da Produção integrada, e os objetivos da própria medida agroambiental do PDR2020 referidos atrás.
  • Quanto à utilização de pesticidas agrícolas, a medida agroambiental “7.1-Agricultura biológica” cumpre a legislação da EU em vigor para este modo de produção, aplicável a todos os Estados-membro – Regulamento (EU) 2018/848 do Parlamento Europeu e do Conselho) – pelo que não autoriza qualquer pesticida de síntese química, mas apenas os seguintes produtos de proteção fitossanitária:
    1. Pesticidas de origem mineral (compostos de cobre, enxofre, calda sulfo-cálcica, caulino ou argila caulinítica, óleo de parafina, hidrogenocarbonatos de potássio ou de sódio, ortofosfato de ferro, fosfato diamónico em armadilhas alimentares, terras de diatomáceas);
    2. Biopesticidas de origem vegetal (azadiractina, piretrinas, extratos de Quassia amara), excluindo outros mais tóxicos como a nicotina do tabaco;
    3. Biopesticidas de origem microbiana desde que derivados de microrganismos não OGM (Bacillus thuringiensis, Bacillus subtilus, Trichoderma spp., Vírus da granulose do bichado da maçã, nemátodos patogénicos de insetos, spinosade);
    4. Feromonas sexuais de insetos para confusão sexual;
    5. Substâncias de base aprovadas na UE, não classificadas como “pesticidas” mas com alguma ação de proteção fitossanitária (cal hidratada ou hidróxido de cálcio, extrato de alho Allium sativum, extrato de erva-cavalinha Equisetum spp., quitosano extraído da quitina de crustáceas, vinagre).
  • Quanto a medidas de conservação do solo e sequestro de carbono na produção integrada (PI) algumas das práticas autorizadas e aplicadas contrariam os objetivos da medida. Em culturas permanentes (pomares, olivais, vinhas), na entrelinha é recomendado o revestimento vegetal do solo (que fixa carbono), mas na linha é recomendada a aplicação de herbicida (incluindo do glifosato). Na prática é comum observar uma estreita faixa de pouco mais de 1 metro de largura na entrelinha com erva e uma faixa mais larga na linha com herbicida. Grande parte das culturas permanentes mais intensivas, em especial o olival e o amendoal, são plantadas em camalhão alto, que dificulta muito o controlo mecânico da erva. Não há pois qualquer preocupação em controlar as ervas na linha com meios mecânicos mas sim com herbicidas. Para agravar a situação, e de acordo com informação recolhida na região Oeste, o enrelvamento da entrelinha em pomares de pêra Rocha deixou em 2019 de ser obrigatório em PI, alegadamente devido aos ataques de estenfiliose, o que é difícil de justificar pois em pomares em agricultura biológica e com a prática da adubação verde tem-se verificado a diminuição da doença. As queimas de sobrantes das culturas são ainda muito comuns com as consequentes emissões de CO2. Na cultura do arroz a queima da palha (em vez da trituração e compostagem ou incorporação direta ao solo) é a prática corrente há décadas em Portugal e continua a ser autorizado. Na cultura do milho em PI o Ministério da Agricultura autorizou a queima da palha, alegadamente por razões fitossanitárias para combater a broca do milho, praga que se pode combater com o destroçamento mecânico da palha deixando esta no solo como fonte de carbono e de húmus. Na cultura do olival, em grande parte dos mesmos ainda é queimada a rama da poda. Nesta cultura a quase totalidade dos bagaços húmidos (80% ou mais da azeitona colhida) vão para as fábricas de óleo de bagaço de azeitona, onde a maior parte acaba por ser queimado no secador, com fortes emissões. Na vinha ainda é comum queimar as vides.
  • Quanto a medidas de conservação do solo e sequestro de carbono a legislação da agricultura biológica não deixa grandes dúvidas de que o solo e o clima são as primeiras prioridades neste sistema de produção agrícola, quer nos objetivos (art. 4º do regulamento citado em 2), quer nos princípios gerais (art. 5º), quer nos princípios específicos aplicáveis às atividades agrícolas (art. 6º).
  • Quanto às culturas geneticamente modificadas, o milho OGM autorizado para cultivo na União Europeia e cultivado apenas em 4 países entre os quais Portugal (cultivo proibido nos restantes países por decisão dos respetivos governos), é autorizado em “Produção integrada” e, consequentemente, pode ser subsidiado como medida agroambiental. Já na “Agricultura biológica” as culturas e organismos geneticamente modificados são proibidos.

3.Situação em Portugal quanto à poluição com glifosato e o risco para o ambiente e para a saúde humana

Os solos agrícolas em Portugal estão poluídos, nomeadamente em vinhas, de acordo com estudo científico publicado (Silva et al, 2017) em que, de entre 11 países, Portugal foi o que apresentou o teor máximo de glifosato (2 mg/Kg de solo). O glifosato é tóxico para vários organismos importantes para a fertilidade do solo e para a nutrição equilibrada das culturas, como é o caso das minhocas e das micorrizas (Zaller et al, 2014), e de diversas espécies de bactérias do solo (Pseudomonas spp.) promotoras do enraizamento e do crescimento das plantas (Aristilde et al, 2017). O glifosato também é tóxico para as abelhas, nomeadamente por afetar a sua flora intestinal devido ao seu efeito de antibiótico (Motta et al, 2018). As águas também terão problemas uma vez que o glifosato tem uma persistência no solo superior a dois meses e é muito solúvel na água, sendo por isso facilmente arrastado pela escorrência da chuva para as águas superficiais (rios e suas albufeiras, lagos, charcas), ou pela infiltração para as águas subterrâneas. A real situação em Portugal não é conhecida por falta de análises, mesmo nas águas de consumo humano, em que a Autoridade competente (DGAV) não as inclui na lista de pesticidas a analisar pelas entidades gestoras de água para consumo humano. Recentemente, em Dezembro 2019, na sequência duma petição pública, a maioria dos deputados da AR contrariou essa petição e rejeitou a obrigatoriedade das análises, assim como a proibição do glifosato em espaços públicos. Em França, já em 2003 e 2004 o Instituto francês do ambiente (IFEN) analisou as águas superficiais em todo o país e detetou glifosato e o seu metabolito de degradação (AMPA-ácido aminometilfosfónico) em cerca de 50% das amostras (Nirascou, 2006), o que levou as autoridades francesas a reduzir a dose máxima autorizada para 2.160 gramas de substância ativa por hectare e ano. As pessoas têm glifosato no seu corpo, tendo em conta as análises feitas à urina, quase sempre com resultado positivo, tendo sido os resultados em Portugal os que apresentaram valores mais altos (www.stopogm.net ). A Agência Internacional de Investigação do Cancro (IARC, 2015), que é a Autoridade mundial para este tipo de doenças, publicou na revista Lancet Oncology um artigo indicando o glifosato como cancerígeno para animais e “provavelmente cancerígeno para seres humanos” (classe 2A), conclusão baseada em estudos científicos publicados, em animais de laboratório, feitos com glifosato puro, e de exposição das pessoas às formulações comerciais quando aplicadas no campo. Na sequência deste artigo, o então bastonário da Ordem dos médicos, Dr. José Manuel Silva, publicou um artigo na Revista da Ordem, alertando para os efeitos do glifosato na saúde humana, e conclui tratar-se de um problema de saúde pública que justifica a proibição total do herbicida (Silva, 2015). Para agravar o risco, nos últimos anos veio a saber-se que os produtos comerciais com glifosato são ainda mais tóxicos do que a substância ativa isolada (Mesnage, 2014), levando mesmo a que aqueles produtos que continham o adjuvante taloamina fossem retirados do mercado europeu e nacional. Como os estudos da toxicidade (aguda e crónica) com os produtos comerciais, que servem de base à homologação fitossanitária, são considerados sigilosos pela indústria (e por isso não publicados), não é do conhecimento público que adjuvantes tem cada formulação de pesticida comercial e muito menos a sua toxicidade.

  1. Agricultura, medidas agroambientais e alterações climáticas
  • O sequestro de carbono no solo é fundamental para Portugal atingir a neutralidade carbónica e, de acordo com o Ministro do Ambiente (artigo publicado em Maio 2019 na revista Frutas legumes e flores), considerando uma redução de emissões de 85% face a 2015, o país precisa de um sequestro de carbono de 12 milhões de toneladas para atingir essa neutralidade, ou seja o equilíbrio entre emissões e sequestro.
  • O aumento de 1% (um ponto percentual) da matéria orgânica ou húmus do solo, são cerca de 30 toneladas de carbono por hectare. Esse aumento é possível de atingir em 10 anos com boas práticas agrícolas. Se o mesmo fosse conseguido em toda a superfície agrícola utilizada (SAU) nacional (cerca de 3,5 milhões de hectares), seriam cerca de 105 milhões de toneladas de carbono sequestrado no solo na forma de húmus estável, muito mais do que Portugal precisa para atingir a neutralidade carbónica.
  • As medidas agroambientais devem ser as mais exigentes quanto a este objetivo. Assim, todas as principais práticas agrícolas que o permitem alcançar, devem ser obrigatórias para que os agricultores tenham direito a este subsídio.
  • Essas práticas, para além de serem boas para o clima e o ambiente em geral, também permitem a conservação do solo e a melhoria da sua fertilidade, pelo que os agricultores devem encarar as mesmas como um bem que estão a fazer ao seu património mais valioso e a si próprios.
  1. Apelos da campanha

Ao poder político:

– Que Exclua o uso do glifosato e outros herbicidas sintéticos nos apoios a medidas agroambientais;

– Que Cofinancie a aquisição de equipamento alternativo aos herbicidas, e com majorações ao nível dos projetos de investimento;

– Que Ofereça compensação financeira aos produtores para formação profissional em alternativas aos herbicidas e outros pesticidas;

– Que Disponibilize serviços de aconselhamento agrícola em parceria com associações e organizações com competência na formação em práticas alternativas aos pesticidas;

– Que Agilize o acesso ao mercado dos produtos agrícolas nacionais através de políticas de compras e contratações públicas mais ambiciosas e coerentes que permitam valorizar o produto agrícola no produtor.

Aos técnicos do Ministério da Agricultura:

– Que se empenhem, pessoal e profissionalmente, nos serviços de aconselhamento e avisos agrícolas no que diz respeito às alternativas aos pesticidas.

Aos agricultores:

– Que sejam ambiciosos na reivindicação de apoios que promovam a transição para uma agricultura com menores impactos, capaz de assegurar a sua própria sobrevivência profissional e o valor das suas terras.

– Que tenham espírito aberto para acolher as evidências científicas dos impactos dos pesticidas, e do glifosato em particular, os alertas da campanha e as soluções e caminhos apontados.    

Aos consumidores:

– Que tomem opções alimentares que promovam a paisagem, a biodiversidade, os produtos locais de qualidade, pois comer é muito mais que satisfazer uma necessidade fisiológica, é uma escolha agrícola, cultural e política!

– Que sejam proativos no apoio aos agricultores, nomeadamente na criação de mercados de proximidade, como a AMAP/CSA (Associação para a Manutenção da Agricultura de Proximidade / Community Supported Agriculture);

– Que no caso de compra de produtos de agricultura biológica, seja dada preferência aos de produção nacional certificada.

Para concluir: As vulnerabilidades da nossa agricultura e os desafios que se avizinham são inúmeros! Situações excecionais exigem medidas igualmente excecionais, e por isso temos de ser criativos, determinados e céleres na aplicação das medidas adequadas! Quanto mais tempo esperarmos mais difícil será atenuar os impactos, como o das alterações climáticas e da desertificação do solo!  

Referências bibliográficas (por ordem alfabética de autor)

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IARC, 2015. Carcinogenicity of tetrachlorvinphos, parathion, malathion, diazinon, and glyphosate. Lancet Oncol 2015

Lorent A. & Allen B., 2019. Net-zero Agriculture in 2050: How to get there. Report by the Institute for European Environmental Policy. Brussels, 23 pp.

Mesnage R, Defarge N, Spiroux de Vendômois J & Séralini G-E, 2014. Major pesticides are more toxic to human cells than their declared activ princilples. Biomedical Research International

Motta E V S, Raymann K & Moran N A, 2018. Glyphosate perturbs the gut microbiota of honeybees. www.pnas.org/cgi/doi/10.1073/pnas.1803880115

Nirascou, F. 2006. Les pesticides dans les eaux, Données 2003 et 2004. Les Dossiers IFEN, Institut français de l’environment, Nº5, 38pp.

Oliveira A B, Barata A, Prates A, Mendes F, Bento F, Gaspar L & Cavaco M, 2014. Proteção Integrada das Culturas, Conceitos e Princípios Gerais. DGAV, Lisboa, 73 pp.

Silva J M, 2015. Os novos estatutos da Ordem dos médicos e o glifosato. Revista da Ordem dos Médicos, ano 31 nº 161

Silva V, Montanarella L, Jones A, Fernández-Ugalde O, Mol H G J, Ritsema C J & Geissen V, 2017. Distribution of glyphosate and aminomethylphosphonic acid (AMPA) in agriculture top soils of the European Union. Sci Total Environ (2017)

Zaller J G, Heigl F, Ruess L & Grabmaier A, 2014. Glyphosate herbicide affects belowground interactions between earthworms and symbiotic mycorrhizal fungi in a model ecosystem. Scientific Reports, 4: 5634, doi: 10.1038/srep 05634

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